sábado, 28 de janeiro de 2012

Visita à Adega Cooperativa de Borba


Depois de dois meses e muitas trocas de mensagens lá conseguimos organizar uma visita à adega cooperativa de Borba através do grupo Portuguese Wine Bloggers no facebook. Esta visita foi impulsionada pelo blogger Carlos Janeiro que com grande empenho e paciência lá conseguiu juntar 8 wine bloggers, dos quais tive o prazer de fazer parte.

Fomos num sábado, e chegámos a Borba já depois das 11 da manhã, onde nos esperavam a relações públicas Márcia Farinha e o enólogo Óscar Gato, que nos receberam numa sala de provas onde já estavam uns rótulos de cortiça antigos a respirar em decanter.


Fundada em 1955, a Adega de Borba reúne atualmente 300 viticultores que cultivam cerca de 2200 hectares de vinha, com 70% castas tintas e 30% castas brancas, sendo as melhores provenientes do sul de Borba onde o solo é xistoso.
Produz entre 12 a 15 milhões de garrafas de vinho por ano, e 40 mil litros de aguardente vínica.
Com 57 anos de existência, tem vindo a modernizar-se constantemente, mantendo sempre um nível elevado de qualidade, o que não é tarefa fácil dada a quantidade e variedade de uvas que ali entram ano após ano.
A adega é grande, provavelmente a maior que já vi, e no centro da vila não tem por onde crescer mais. Pude apreciar algumas casas cuja traseira dava para as cubas em inox, de tal modo está incrustada na vila. É tentador morar ali.
Está em fase final de construção a nova adega, que deverá ser inaugurada em breve, num terreno com 14 hectares por trás da estação, que visitámos depois do almoço.

Mas comecemos pelo principio da visita.
Entrando no amplo pátio da adega surgem os balões brancos de 250 mil litros à esquerda, e à direita uma adega aberta para o pátio muito bem equipada com enormes cubas inox, passadiços, talhões de várias toneladas, enfim, tudo em grande. Ao fundo um laboratório onde é feito um primeiro controlo às uvas que entram, para identificar não só as piores, mas também as melhores.
É necessária muita organização para processar tanta uva na época das vindimas, tendo um calendário apertado para cada casta, sujeito a alterações de ano para ano consoante o amadurecimento de cada uma.
Dentro da adega propriamente dita, encontra-se um segundo laboratório "de campanha" onde é feita nova triagem, e se encaminham as uvas para os vários lotes consoante a variedade e a qualidade.
Existe também uma sala fresca onde repousam muitas pipas de madeira nova com os melhores vinhos, 75% carvalho francês, 15% carvalho americano, 10% carvalho português, e uma pequena percentagem de castanho português, uma madeira mais porosa.


Em seguida passámos às caves do edificio principal, onde nos deparámos com mais cubas, toneis de madeira muito antigos e pipas de madeira mais usada, onde envelhecia a aguardente.


Nesta área existe a enoteca da casa, com uma coleção invejável de milhares de vinhos desde há 50 anos atrás.


Numa sala à parte está a garrafeira de rótulos de cortiça antigos a rodear uns toneis novos de onde sairão provavelmente os novos rótulos de cortiça grande reserva, uma aposta recente da Adega de Borba, que procura obter assim um vinho de qualidade superior em edições mais limitadas.


Passámos pelo laboratório principal, equipado com a mais moderna tecnologia, incluindo um analisador potente, único na Peninsula Ibérica.
Visitámos a secção de engarrafamento, uma sala isolada com grandes janelas de vidro, com três máquinas capazes de engarrafar umas impressionantes 18 mil garrafas por hora.
Passámos ainda pelo enorme armazém onde estavam paletes e caixas de vinho a perder de vista, e muitas mais pipas de carvalho semi-novo.
A adega parecia não ter fim.


Voltámos à sala de provas onde nos foram apresentados alguns vinhos da gama Senses de monocastas.

Rosé 2011, feito essencialmente de Aragonês.
De côr muito pálida e salmonada, tem um bom nariz, floral e silvestre, na boca é um vinho leve e fresco.

Alvarinho 2010
Côr citrina, nariz intenso e complexo, algo exuberante com aromas herbáceos e de fruta tropical. Muita frescura na boca e final muito longo.

Verdelho 2010
Côr citrina, nariz abaunilhado com fruta tropical, boca fresca mas não tanto como o Alvarinho, final moderado.

Sirah 2010
Côr granada, nariz intenso, frutado, alicorado.
Boca com boa estrutura, alguns taninos a mais.
Final longo.

Touriga Nacional 2009
Côr granada, nariz frutado, com alguns tostados.
Boca com estrutura e um bom final, algo adstringente.

Seguiu-se uma prova vertical de Rótulo de Cortiça, um vinho icónico da adega de Borba, do qual provámos 5 edições, uma de cada década:


2008
Côr ruby, nariz complexo, ervas aromáticas.
Boca elegante, final prolongado.

1994
Côr ambar, nariz intenso, couro, especiarias.
Boca elegante, com um ligeiro vinagrinho no final longo.

1982
Levou menos Aragonês.
Côr ambar, nariz muito parecido com o de 94.
Boca elegante com final médio.

1977
Côr acastanhada, nariz muito rico, especiarias.
Boca muito elegante, com final mediano.

1964
Côr acastanhada, bazar de especiarias.
Boca elegante, final longo com ligeiro picante.

É impressionante como o perfil destes vinhos se mantém constante ao longo de várias décadas. Numa prova cega não os conseguiria distinguir.
A sua acidez mantém estes vinhos vivos, com uma elegância fora do vulgar. Fizeram-me lembrar alguns Pinot Noir franceses.

Provámos ainda uma amostra de casco do 2009 Gold do tonel 6, que será engarrafado em breve como Rótulo de Cortiça Grande Reserva 2009.


De côr granada opaca, nariz muito rico, aromas herbáceos, azeitonas.
Boca com muita estrutura, mas elegante, opulento, com um final muito persistente.
Promete ser um grande vinho.

Depois da prova seguiu-se o almoço, e que almoço.
Preparado numa sala da adega pela equipa do restaurante "A Cadeia Quinhentista" de Estremoz, foi acompanhado pela gama de vinhos Montes Claros.


As entradas foram servidas em pratos individuais com nove divisões, contendo linguiça, farinheira e morcela de porco preto no carvão, queijo de ovelha em azeite, coelho em vinagrete balsâmico com pimentos assados, cogumelos estufados com ervas, ameijoas com coentros frescos, mexilhões gratinados, e favas com toucinho fumado e salteado.
Uma belíssima amostra dos sabores do Alentejo, acompanhada pelo branco Montes Claros Reserva 2010.
Este vinho está muito bem conseguido, com a casta Roupeiro a transmitir um nariz muito intenso e rico, e com um conjunto de grande equilíbrio.

Seguiu-se o cação temperado com alho e pimentão da horta, frito em banha de porco preto, com ameijoas e migas de batata.
Muito bem acompanhado pelo tinto Montes Claros Reserva 2009.
Curiosa esta forma de cozinhar o cação com o tempero típico da carne de alguidar alentejana, resultou muito bem com este tinto elegante.

Depois veio a perdiz suada em azeite de Borba, com trufas brancas, espargos bravos, castanhas, uvas e romã.
Acompanhada pelo tinto Montes Claros Garrafeira 2007, foi uma perdição, tive de repetir.
Este vinho mais encorpado que o reserva, está muito afinado, e ligou muito bem com o sabor forte da perdiz.

Para sobremesa foram dois doces conventuais, mas nesta fase já não fui capaz de decorar os nomes e já não estava a tomar notas. Fizeram justiça à boa fama da doçaria tradicional alentejana, muito rica por sinal, e não me atrevo a arriscar os nomes de tão deliciosas iguarias.
Acompanhámos com o licoroso da Adega de Borba, que era muito bom, ao nível de um bom vinho da Madeira.

Depois deste magnífico banquete que terminou por volta das cinco da tarde, fomos visitar as novas instalações que estão mesmo em fase final de acabamentos, já com o equipamento particamente todo instalado.
Por trás da antiga estação de comboios, surge a nova adega imponente, construida com a mais recente tecnologia aliada a soluções ambientais que permitem melhor eficiência energética, nomeadamente a cobertura verde (green roof) que proporciona um bom isolamento térmico, e claro, o mármore que é extraído localmente na pedreira de Borba.
Ao entrar deparamo-nos com um gigantesco armazém com capacidade para várias dezenas de milhões de litros em paletes.


Tem uma capacidade de fermentação de vários milhões de litros distrinuidos por cubas de 60 mil litros cada. Uma autêntica catedral, onde em vez de colunas estão as enormes cubas com mais de 10 metros de altura, a perder de vista para onde quer que olhemos.


As uvas entram por cima e seguem por duas linhas mestras até ao seu destino.
Tudo planeado ao pormenor para se conseguirem separar os lotes o melhor possível.


No meio da imensidão de cubas via-se uma pequena área reservada para a vinificação de vinhos de topo, cujo equipamento ainda não estava instalado.
Subimos ao telhado onde pudemos pisar a fofa cobertura verde assente em placas de espuma, que devido ao clima soalheiro do Alentejo se tornou avermelhada, o que não fica nada mal.


Passámos ainda pela loja onde pudemos comprar alguns dos vinhos provados.
Os preços dos vinhos da AC Borba são sempre acessíveis a todas as bolsas, e julgo ser esse equilíbrio entre qualidade e preço que tornam esta casa um exemplo de sucesso a seguir, mostrando que se pode produzir em quantidade e em qualidade, unindo o esforço de vários viticultores que por si só teriam muita dificuldade em sobreviver neste país.
É de facto uma inspiração ver um projeto com mais de 50 anos a crescer desta forma, quando a maioria das adegas cooperativas nacionais andam pelas ruas da amargura, algumas delas a fecharem portas.
Também gostei de ver o investimento na produção de vinhos de qualidade mais elevada em quantidades mais reduzidas, como é o caso do Rótulo de Cortiça Grande Reserva (o primeiro de 2007 desapareceu logo), assim quem estiver disposto a pagar por esses vinhos também os poderá encontrar aqui, e a preços não muito ofensivos.

Há um outro aspeto que é de realçar: o vinho de Borba encontra-se em todo o lado.
E para quem é apreciador de vinho, por muito manhosa que seja a carta de vinhos do restaurante onde se vai comer (coisa que infelizmente não é rara em Portugal), tem lá pelo menos um Borba a servir de tábua de salvação, que é sempre uma aposta garantida.

Agradecimentos especiais ao enólogo e relações públicas da adega que nos acompanharam todo o dia, à equipa do restaurante "A Cadeia Quinhentitista" que nos proporcionou um almoço brilhante onde a ligação com os vinhos servidos foi perfeita, ao blogger Carlos Janeiro, e ao compadre João Pedro Carvalho que também participou ativamente na organização e ainda me há-de levar a provar o vinho da talha.

Deu gosto ver como se produz o vinho em Borba.

Frederico Santos

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