Este festival, organizado pela Niepoort na Quinta de Nápoles, com a participação de Fritz Haag e os "Douro Boys", foi o sonho de qualquer enófilo.
Vou tentar fazer um apanhado dos vinhos que consegui provar, o que não é tarefa fácil, pois haviam centenas de vinhos à disposição de quem tivesse capacidade para os beber, e ao final do dia já me encontrava bastante entornado.
Passados alguns dias ainda não estou completamente recomposto da experiência, e adianto ainda que os vinhos do Rhône eram até agora desconhecidos para mim.
Vamos lá então que isto vai ser uma epopeia épica...
À chegada, deram-nos um copo e uma capa com fichas dos muitos produtores presentes, um lápis para tomar notas de prova, e um crachá também.
Estávamos assim armados e prontos para a maratona que nos esperava.
Descemos à parte de baixo da adega, onde encontrámos os produtores do vale do Ródano:
Chateau Revelette, da denominação "Coteaux d'Aix en Provence", bem ao sul perto de Marselha.
Provámos o "Le Grand Rouge", feito com 50% Sirah, Grenache e Cabernet.
Um vinho intenso, talvez um pouco demais para o meu gosto.
Seguiu-se o Domaine Alain Graillot, mais a norte. Provei um Crozes-Hermitage 100% Sirah, que era bastante frutado, boa fruta mas demasiada para mim.
Domaine Alain Voge, foi um dos meus preferidos.
Adorei o branco "Fleur de Crussol 2007" da região de Saint Péray, feito com 100% Marsanne.
O tinto Cornas 2007, 100% Sirah, tambem estava muito bom, mais equilibrado, agradou-me mais que os 2 anteriores.
Domaine Beaurenard, conduzido pelos 2 irmãos Daniel e Frédéric Coulon, tem um excelente Chateauneuf du Pape que se chama Boisrenard, feito com nada mais nada menos que treze castas (Grenache, Sirah, Mourvèdre, Cinsault, ...). Uma das 3 vinhas usadas tem um século. Um prazer para os sentidos.
O branco do mesmo nome tambem era muito bom, feito com 6 castas.
Domaine Chèze, regiões Condrieu e Saint Joseph.
O tinto 100% Sirah era bom mas não me impressionou muito.
Gostei mais do Saint Joseph Blanc, feito com 60% Marsanne e 40% Rousanne.
Domaine Combier, com uma preocupação constante com o ambiente, tem certificação Ecocert nas suas vinhas, que estão sob protecção integrada desde 1970.
Gostei muito dos tintos 100% Sirah de Crozes Hermitage, principalmente o "Clos des Grives" feito com uvas de vinhas com mais de 50 anos.
(por volta desta altura desisti de provar brancos, infelizmente, pois apesar de muito bons estavam-me a baralhar os paladares)
Domaine Courbis, regiões Saint Joseph e Cornas.
Tintos 100% Sirah.
Gostei muito do Saint Joseph 2007 que estava muito equilibrado e redondo na boca.
O Cornas era mais adstringente, o que talvez não seja mau com uns anitos na garrafa.
Domaine de Deurre, tinha 3 vinhos em prova, e o que me agradou mais foi o Cuvée Saint Maurice (70% Grenache, 30% Sirah).
O "Les Oliviers" 100% Sirah de vinhas com 40 anos também estava muito bom.
O "Les Rabasses" quase 100% Grenache, com uns pozinhos de Mourvèdre, de vinhas com 50 anos, não gostei.
O senhor Hubert tem um sorriso contagiante.
Domaine de la Citadelle, região Côtes du Lubéron.
Têm um vinho excelente, que é o "Le Governeur 2005", de vinhas velhas, feito com Sirah, Grenache e Mourvèdre.
O tinto "Les Artemes 2005" (50% Sirah, 50% Grenache) também é muito bom, mas não tanto como o Governeur.
Domaine de la Janasse, Chateauneuf du Pape.
Provei um vinho 100% Grenache com 15.5% de alcool. Era bom, e o alcool não se sentia nem no nariz nem na boca, mas não foi dos meus preferidos.
Domaine Delubac, denominação Côtes du Rhône Village Cairanne.
Achei os vinhos muito taninosos, devem ser bons para guardar.
Domaine François Villard, regiões Condrieu, Saint Joseph e Côte Rôtie.
François Villard, de baixa estatura, estava escondido entre as pipas, e por pouco me escapava.
Gostei bastante do "Seul en scene 2007", 100% Sirah, mas o que mais me agradou foi o Saint Joseph tinto "Reflet", também 100% Sirah de parcelas de solo granítico.
Domaine Yves Cuilleron, regiões Condrieu, Saint Joseph, Côte Rôtie.
Grandes vinhos.
Saint Joseph 2007 (Sirah), muito bom.
Côte Rôtie 2007 (Sirah), excelente.
Condrieu 2008 (Viognier), fantástico.
Ainda bem que decidi provar este branco sublime.
Domaine Gerin, regiões Côte Rôtie, Condrieu, Saint Joseph.
Provei o Côte Rôtie (90% Sirah, 10% Viognier), que não me entusiasmou por aí além, apesar de ser um vinho muito bom.
Seguiu-se uma rápida incursão pelos Douro Boys, onde me agradaram mais:
- Batuta
- Quinta do Crasto - Vinha Maria Teresa
- Quinta do Crasto - Vinhas Velhas
- CV
- Quinta do Vale Meão
Julgo que eram todos de 2007.
Domaine Clape, denominação Cornas.
Encontrava-se ao lado da banca da Niepoort, em lugar de destaque, e não era por acaso.
Depois de ter provado todos aqules Sirah, qual não foi o meu espanto ao deparar-me com um ainda mais complexo, mais elegante, mais tudo.
- Renaissance 2007 (vinhas novas), muito bom.
- Cornas 2007 (vinhas velhas), superou tudo.
Que maravilha de vinhos.
Ainda voltei à banca da Niepoort para provar o Domaine Jamet, cujos Côte Rôtie não desapontaram mesmo após a prova do Domaine Clape, estavam à altura.
Entretanto chamaram para o almoço, e já não fui aos brancos de Fritz Haag.
Um crime, bem sei, mas estas coisas não se pode ter tudo, e não queria perder aqueles aromas e sabores de bons Sirah, que ainda estavam presentes nas minhas papilas gustativas, enquanto imaginava como ficariam estes vinhos com 10 anos em garrafa.
O almoço foi servido numa mesa corrida, que me pareceu ter o comprimento de um campo de futebol. Estavam ali centenas de pessoas, tudo já muito bem disposto, claro.
Começou com uma açorda de alheira, seguida de um bife com puré de espargos, e a sobremesa era uma espécie de crepe recheado com leite creme acompanhado de pedaços de frutas exóticas. Tudo muito bom. A carne nem precisava de faca.
As garrafas magnum circulavam abundantemente, com os próprios produtores a colocarem-nas em cima da mesa.
À minha frente estava um casal que julgo que era da quinta do Vale Dona Maria, e o CV 2003 não tardou em aparecer na sua versão Magnum. Um vinho magnífico em todos os aspectos.
Ao meu lado sentou-se o senhor Pierre Clape, logo o produtor do vinho francês que mais me agradou, com quem aproveitei para desenferrujar o meu francês e aprender umas coisas sobre vinhos.
Conversámos bastante (devo ter sido um chato do caraças), e uma das coisas que retive foi que para ele o mais importante era o cuidado das vinhas, o que para mim fez todo o sentido, pois tal como na culinária quando os ingredientes são bons é fácil fazer um bom prato, se as uvas não forem boas bem podem dar voltas na adega que nunca sairá um vinho de topo.
O vinho corria a rodos, eram magnuns atrás de magnuns, Charme 2006 (excelente), um Cornas do Domaine Clape já não sei de que ano (2001, talvez), Redoma branco 94 e 95 decantados com os seus tostados fabulosos. Essas são as que me lembro, mas ao longo da mesa era um festival de magnuns para quem se quisesse levantar e procurar.
Entretanto Dirk Niepoort faz um curto discurso, anunciando que ia servir um porto garrafeira de 1931, ao que todos aplaudiram com entusiasmo.
Seguramente um dos melhores portos que já provei, castanho carregado, de aromas muito intensos, uma complexidade infindável. Na boca era sedoso e ainda muito vivo, com o alcóol ainda presente mas de uma suavidade extrema.
Para quem não sabe, o garrafeira é um estilo de porto que hoje em dia já não se faz, e cujos garrafões de 7 a 11 litros onde envelhece (demijons), são guardados nas caves como um verdadeiro tesouro.
É daquelas raridades que só se provam uma vez na vida, ainda por cima o garrafão foi aberto na altura, vindo ainda com mais intensidade aromática do que se o vinho já tivesse sido engarrafado.
Já uma vez tinha bebido um garrafeira de 1977, mas assim um com quase 80 anos acabado de sair do "demijon" foi uma coisa mesmo muito especial.
Depois deste garrafeira, ainda provei um vintage 1983, que estava excelente.
O vinho continuava a circular, as garrafas não paravam de ser abertas, e eu decidi ir andando pois já estava a atingir os meus limites.
No dia seguinte ainda me sentia ligeiramente alcoolizado.
Parecem muitos, mas estes vinhos que relatei aqui foram só a ponta do iceberg, pois para quem lá passou o fim-de-semana, foram muitos mais, e cada um melhor que o outro.
Só mesmo uma personalidade como Dirk Niepoort para proporcionar um evento desta categoria, de forma gratuita, para centenas de pessoas.
Só mesmo uma grande paixão pelo vinho, para proporcionar momentos destes, de puro extase enófilo.
É talvez o post mais longo que escrevi, mas havia tanto mais para dizer...
Frederico Santos
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